domingo, 20 de abril de 2014

A construção de um mito nos bastidores do esporte



Desde pequeno, eu já acompanhava o futebol e a Fórmula 1 pelas transmissões na TV. Estava acostumado com as narrações de Galvão Bueno, Oliveira Andrade e o novato Cléber Machado. Mas, no ano de 1992, as Olimpíadas de Barcelona me deu a oportunidade de conhecer outros nomes. Especificamente, da TV Bandeirantes: Sílvio Luiz (“Balançou o capim do fundo do gol!”), Marco Antonio (“Afunda, afunda, afunda... Afundou!”), Januário de Oliveira (“E o gol!!!!”), entre outros. O comandante deles atendia pelo nome de Luciano do Valle. Não tinha uma frase marca registrada – apesar de ter criado o slogan “Bandeirantes: o canal do esporte.”
Descobri o Luciano quase que sem querer. Muitos dos jogos de Barcelona-92 aconteciam entre a manhã e o final da tarde. Os principais eram à tarde. Aquele time mágico do vôlei que tinha Marcelo Negrão, Tande, Maurício, Paulão, Carlão, entre outros, que viriam a conseguir o inédito ouro olímpico, jogava quase sempre depois do meio-dia. Como acompanhar os jogos então, já que eu, com 11 anos de idade, não passava de um menino que tinha a obrigação de estudar e estar nas aulas que eram no turno vespertino? Foi, aí, que descobri um canal que funcionava também no rádio. Não era porque eles lá de São Paulo faziam isso. É a que a TV Cidade, retransmissora da Bandeirantes aqui em São Luís-MA nos anos 80 e 90, também estava no rádio (e está até hoje) na freqüência 87,8 Mhz. Dessa forma, pegava escondido o radinho de pilha da minha irmã mais nova, o fone de ouvido daqueles pequenos que era de outra irmã e seguia para o colégio. Na hora do jogo, o radinho ficava dentro da mochila; o fone vinha por dentro do blusão e saía atrás, por onde era puxado até a orelha, encaixado nela. Eu ficava ali, quietinho, com a mão por cima do fone, para a professora não ver. E, assim, ouvi muitas disputas de Barcelona-92. Não só as de vôlei, mas também basquete, natação, judô, tênis de mesa e mais. Em muitas oportunidades, a voz que ecoava nos meus ouvidos era de Luciano do Valle. Ele e o Sílvio me fizeram acostumar com a Bandeirantes. Virei fã.
Acompanhava o domingo esportivo com ansiedade. Só em dois momentos eu tirava do canal 06: na hora da Fórmula 1 e quando eles começavam a Fórmula Indy – eu era tão fã da F-1 que detestava outras corridas. De resto, via toda a programação do Show do Esporte. Era assim o nome do domingo esportivo da Band, com apresentação de Elia Júnior.
Em tempos em que a Rede Globo não transmitia jogos aos domingos, o jeito era ficar ouvindo o radinho e ter uma certeza: às seis da tarde, poderíamos ver os VTs, na íntegra, dos jogos disputados naquela tarde na TV Bandeirantes. Dois jogos do paulista e um do carioca; um, com certeza, na voz do Luciano.
E assim foi durante muito tempo. Vi também quando estreou o diário Faixa Nobre do Esporte. Aliás, muitos dos programas dos anos 90 surgidos na TV Bandeirantes foram idéias de Luciano, que conseguiu transformar a emissora no “Canal do Esporte”.
Confesso que, nos últimos tempos, não vinha ouvindo mais o Luciano. Em boa parte, não por culpa dele; mas do Neto, que detesto como comentarista. Mas como não render homenagens a quem inspirou gerações no jornalismo esportivo? Como não se emocionar com a partida de um precursor de modalidades desconhecidas? Como deixar de lado um homem que soube, em uma emissora convencional, dar o primeiro passo para os canais próprios do esporte?
Luciano do Valle chamava atenção não por bordões, por tiradas desconcertantes durante os jogos, por frases repetitivas. Ele tinha um timbre e uma vibração na voz que era indescritível. Ele sabia como emocionar. Como lançar nomes. Como exaltar a alma do desportista brasileiro. Lembro que, naquela Copa América em que Ronaldinho Gaúcho despontou, ele apelidou o garoto de Ronaldinho e que o outro Ronaldinho deveria ser chamado de Ronaldo. Não lhe deram ouvidos. A forma como Galvão determinou, ficou: Ronaldinho e Ronaldinho Gaúcho. Anos depois, vejo todos chamando Ronaldinho, o carioca, de Ronaldo Nazário; e Ronaldinho Gaúcho de, simplesmente, Ronaldinho. Tardiamente, a idéia de Luciano vingou.
São tantas histórias em torno deste mito, que o esporte vai chorar por muito tempo. Mas a morte é vida. E Luciano sai da vida terrena para entrar na cabine da eternidade.

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